A montanha azul

Débora Menezes
3 min readSep 2, 2022
São Gabriel da Cachoeira, 2018. Também é uma montanha azul. Poderia ser a da história.

Todos os dias

Quando olho pela janela

Nem sempre ela está por ali.

Há quase que diariamente, uma barreira de nuvens a encobri-la.

Iludindo-me, como se ela, a montanha, não existisse.

Mesmo quando a vejo, me pergunto se ela é real.

Ou se é fruto da minha imaginação, e também dos alpinistas e suas mochilas carregadas, jaquetas coloridas e óculos protetores, subindo a servidão, como dizem em Santa Catarina, em direção a ela.

Sim, mesmo diante do sol sem nuvens, esqueço de olhar pela janela que emoldura a aparição dela.

Tirando os alpinistas, quase ninguém presta atenção nessa marca enorme na paisagem. Poucos param seus afazeres e afastam-se de seus dramas diários para se debruçarem-se em suas janelas e pararem para vê-la. A Montanha Azul.

Eu mesma, esse ano, só a vi com clareza uma vez. Nem tenho certeza se a vi mesmo, tamanha a surpresa. Nem era azul, acho. Cinza, talvez, gelo, furta-cor, cada vez mais escura conforme a tarde vai esfriando o dia.

Uns tem na figura do Diabo a sua expiação pelos erros cometidos.

Outros, distraem-se com medo de seres fantasmas, como a mulher de branco.

Diabo, fantasma, sabe-se lá o que é verdade, o que mentira. Isso é com cada um. Eu tenho na Montanha Azul a minha própria noção de realidade x fantasia, e também me confundo com a cor escura do rio, que tece um vestido de águas na base da serra.

Não sei se as águas sobem, ou descem.

Não sei se a Montanha é mesmo Azul.

Nem tenho certeza se essa cambada de alpinistas está mesmo pegando o beco em direção a ela. Parece tão longe, e na verdade, só vejo os caras subindo pela rua. Não lembro de ter visto nenhum voltando.

Nesse instante na janela, penso nela. Será que existe mesmo?

Mas tudo o que a gente não alcança, acaba esquecendo. É preciso botar ordem na casa e fechar as cortinas para aquilo que carece de explicação.

Cada um tem o Everest que lhe corresponde, montanha inacessível a teus pés e pernas, só os olhos da alma e das ideias te enxergam.

Um Everest de grandes alturas, ar rarefeito, gelo, frio, aridez, beleza cercada de sofrimento e morte daqueles que ousaram chegar até o topo.

A minha Montanha Azul é ela, alma invisível da janela que chama a minha atenção com a verdade de sua existência. Ela é dura, difícil, inacreditável. Mas ao menos está à altura do meus olhos, se eu me digno a parar para enxergá-la.

Sinto que sou um peregrino-alpinista, que deseja subir essa montanha feito o Louco da carta de tarot. Sem equipamento de segurança, sem mapa, GPS. Só com uma trouxa nas costas e um cão por companhia. Sedenta por aventuras pela parte da minha alma que parece tão distante, ali, atrás do rio que desagua todas as minhas emoções em algum oceano-ralo.

Meu inconsciente-montanha.

Por anos eu ouvi, intrigada, psicólogos e ólogos afins dizendo que a consciência é a parte da mente que conhecemos. Como uma montanha de gelo no mar, abaixo das águas estaria toda a parte do iceberg que o Titanic teve a fatalidade de bater. O tal do inconsciente.

Para mim, o inconsciente é essa Montanha Azul. Não está embaixo d´água. Está ali, na frente do meu nariz. Na minha janela. Eu só não presto atenção nele como deveria. E às vezes penso que é só fruto da minha imaginação. Pois é como uma misteriosa mulher, que todos sabem da existência, ora ignoram, ora não acreditam existir.

Penso, logo existo?

Olho na janela, e quem existe é ela

Sim, vou tratar meu subconsciente no feminino. Uma montanha de pensamentos, memórias, muitos e muitos dados dessa e de outras vidas, compondo cada camada de rocha, do chão de terra até o cume de pedras, com direito a uma bandeirinha vermelha voando com a ventania que deve ser lá em cima.

E como é que a gente chega lá, se nem enxerga a Montanha da janela?

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Débora Menezes
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Comunicadora, escritora e taróloga. Escrevi o livro de poemas Amor Roxo por Manaus e Outras Histórias (2018) e lancei o Eu Sou Mais 40 Tarot e Oráculo (2022).