Eu a Covid, a Covid e eu

Débora Menezes
3 min readMay 19, 2021
Oxímetro utilizado para medir a oxigenação do sangue

E de repente, todas as suas crenças, medos, formas de pensar, vem a tona. E pra curar você precisar uma a uma dessas coisas, mesmo passando mal, descabelada, sem energia. A cura: olhar pra tudo isso que você está passando. Tudo o que você viveu até aqui. Tudo o que você não sabe, nem os médicos sabem direito o que dizer pra você sobre doença. Te mandam comprar esse aparelhinho, não pode baixar de 95 o número do visor. É algo a agarrar pra sentir mais medo, ou esperança.

Olhe essa falta de alegria. Essa canseira. Esse desgosto, essa culpa por não ter se cuidado tão bem a ponto de ficar vulnerável a essa que é a doença mais temida e falada no mundo. Culpa por ter transmitido a outras pessoas. Tudo junto e misturado.

Se tem algo que é um grande teste de fé pra qualquer um, é olhar no prontuário e ver que seu teste SARS-COV-2 antígeno pelo método imunocromatográfico deu reagente como resultado. Deu positivo, mesmo que esse positivo não seja “good vibes”. Faltou ar quando descobri. Tive taquicardia. Comecei a chorar. A médica receitou um ansiolítico homeopático, comprimidos para febre e dor de cabeça, e só. Ter COVID é esperar.

Sinto que fiquei enferma para chamar a atenção. Dos outros? Talvez, mas principalmente de mim. Agora vou ter que ser aquela amiga que vai ali cozinhar, acolher, te dizer “calma, respira”. É uma doença solitária. E, ao mesmo tempo, uma doença que carrega milhares e milhares de sentimentos de solidão mundo afora.

Cada um que padeceu sob esse vírus infame, o que sentiu? Um microrganismo capaz de derrubar todas as nossas defesas, tirando a gente completamente do chão. Cada pessoa que conheci e que faleceu, será que viu em si um amigo pra se ajudar? Ou se sentiu completamente só até o final?

Eu já estou no décimo segundo dia quando passo a limpo esse rascunho do caderno, porque passei muitos outros dias sem sequer ter forças pra digitar no computador. Mas quando leio, sinto uma pontada forte onde seria a glândula do Timo. É uma glândula poética, ela. Fica no centro do peito, entre os pulmões e na frente do coração. Nela se produzem células que apoiam nossas defesas quando temos um inimigo chegando.

Dizem que o timo é onde Deus mora em nós (bom, eu prefiro chamar ultimamente de fonte criadora, até por ser um feminino, ao invés de masculino). Se eu digo que dói, é como se o Deus em mim estivesse ferido de três facadas, feito o coração da carta do Três de Espadas no tarot. É tão louco o efeito dessa doença. Onde seria a fonte pra verter amor, dói, dói, dói. Mas passa. Espero que passe.

E que o número marcado no aparelhinho subra pra 98, 99, logo, logo.

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Débora Menezes
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Comunicadora, escritora e taróloga. Escrevi o livro de poemas Amor Roxo por Manaus e Outras Histórias (2018) e lancei o Eu Sou Mais 40 Tarot e Oráculo (2022).